Conheci o surfe aos 15 anos de idade através de uns amigos na escola. Era final de ano e todos se programavam para as merecidas férias. Recebi um convite para viajar com a galera para um final de semana na praia, depois de negociar com meus pais consegui a autorização para viajar. Foi meu primeiro contato com uma prancha de surfe, nem sabia como carrega-la. Era apenas uma prancha para a turma toda então rolava um revezamento e na minha vez foi um desastre. Não consegui nem ficar deitado para pelo menos tentar dar umas braçadas e sair do lugar sem ser levado pela correnteza do mar. Frustração total.
Depois dessa primeira experiência, resolvemos que iríamos o máximo possível de finais de semana para o litoral aprender a surfar, era uma batalha, todos menores de idade, sem muita grana, apenas uma prancha e com nenhum conhecimento sobre surfe, ondas e equipamentos, mas era uma alegria, muito perrengue e diversão na mesma proporção, estávamos vivendo a verdadeira essência do surfe sem saber surfar.
Aos poucos todos foram adquirindo suas pranchas, todas velhas e antigas, mas o lance do revezamento foi resolvido. Como não tínhamos muitas habilidades no surfe e nenhum equipamento de proteção para as pranchas, toda viagem resultava em várias partes quebradas em nossos “brinquedos”. A gente não tinha grana e precisava reparar as pranchas. Começamos a conserta-las por conta própria.
No começo a intensão era só mexer nas nossas, mas aos poucos surgiram varias pranchas para arrumar de pessoas que a gente nem conhecia. Abraçamos a oportunidade e iniciamos uma oficina de consertos no quintal de casa. Fazíamos consertos e desencapávamos pranchas velhas para refazê-las reutilizando seu bloco.
Começamos a ganhar dinheiro e as viagens para a praia ficaram mais constantes, com isso, o desempenho na agua foi melhorando. O tempo foi passando e alguns dos meus amigos seguiram outros caminhos profissionais na vida, sem deixar de pegar onda. Eu continuei, meu sonho era fabricar minhas próprias pranchas, queria ser um shaper reconhecido e respeitado, como o Avelino Bastos, Ricardo Martins, o Kareca da Shine, entre outros que sempre admirei e eram minhas referencias. Um dia eu resolvi comprar um bloco novo, um Clark Foam, na antiga Reforplás, uma loja no bairro do Paraiso que vendia materiais para fabricação de pranchas de surfe e caiaques.
Fiz meu primeiro shape com um bloco zero, sem as ferramentas adequadas e habilidade, o resultado não foi o esperado, na real ficou bem ruinzinho, mas eu sabia que era só o inicio e que poderia evoluir muito, só dependia de mim.
Comecei a pesquisar sobre fabricação de pranchas, naquela época não tinha acesso à internet, nem sabia que existia, minha fonte eram as revistas Fluir, Hardcore e algumas gringas que ganhava dos amigos que traziam de suas trip’s internacionais. Essas revistas sempre tinham matérias e entrevistas com shaper’s que falavam sobre conceitos de design, as pranchas dos top´s surfers do tour, tendências da temporada e técnicas de laminação e fabricação de pranchas em geral. Dessa forma fui estudando, praticando e aprendendo.
Em meados dos anos 90 já tinha uma quantidade considerável de pranchas feitas, mas achava que para evoluir era preciso aumentar o volume e focar somente no shape. Decidi procurar fabricas em São Paulo e oferecer parcerias, shapes em troca de laminações. Consegui fechar com três ótimas, Storm Rider, Glasser e Da Hui. Foi um período de muito trabalho e evolução, juntos construímos milhares de pranchas que me colocaram num patamar que sozinho, levaria muito mais tempo.
No inicio do ano de 1998 fiz minha primeira viagem para o Hawaii. Foi uma trip curta, mas pude conhecer um pouco sobre a cultura e o surfe do lugar. Foi tão bom que resolvi voltar no final do ano e passar uma temporada inteira. Trabalhei o ano todo no Brasil com esse objetivo, juntei a grana e voltei ao Hawaii no final do mesmo ano. Dessa vez foram seis meses surfando e fazendo pranchas para uso próprio e para alguns amigos, aumentando meu conhecimento e aprimorando minha percepção sobre pranchas e surfe. Nessa viagem, percebi o quanto importante são esses intercâmbios e então decidi que a próxima trip seria para a California.
A Califórnia é a Meca mundial da indústria de pranchas e equipamentos para surfe e era imprescindível passar um tempo por lá. Já tinha alguns contatos com algumas fábricas locais e resolvi ficar em Oceanside, um lugar alucinante com altas ondas e próximo de Trestles, local que rolam as etapas do WCT. Fiz um estágio na famosa marca de pranchas Aloha USA do shaper Mauricio Gil.
Aprendi muita coisa nesse tempo, não só de pranchas, mas de mercado também. Visitei algumas feiras em San Diego onde pude conversar com várias pessoas relacionadas ao mercado e absorvi muita coisa legal. Tudo isso ocorreu entre os anos de 2000 a 2004, todo verão americano estava lá acompanhado de perto as novas tendências em design, maquinas de shape, ferramentas, matérias primas e processos de fabricação.
Em 2005 percebi que era hora de fixar uma base no Brasil e realizar meu sonho de poder ajudar as pessoas que quisessem aprender a surfar ou desenvolver seu surfe com acompanhamento de um shaper profissional. Nesse momento, achei necessário encerrar as parcerias que restavam com as fabricas em São Paulo e resolvi seguir em carreira solo. Não foi fácil montar uma infraestrutura e encontrar as pessoas certas para formar uma equipe com o mesmo propósito, levou muito mais tempo do que eu imaginava, mas com muita persistência as encontrei.
Criamos uma empresa com o propósito em entregar bem-estar às pessoas através de nossas pranchas. Nossa missão é desenvolver pranchas capazes de proporcionar evolução, alegria e satisfação depois de uma sessão de surfe. Nós sabemos a importância que uma prancha de surfe tem para um surfista e assumimos toda responsabilidade em fazer pranchas capazes de atender tais expectativas, porque nós também somos surfistas e amamos surfar.
Descobri que dede o inicio da minha história era esse meu propósito, oferecer evolução e alegria a todos que escolheram serem surfistas como eu e meus amigos. Hoje possuo mais conhecimento e recursos para realizar esse sonho e garantir com 100% de certeza que é possível qualquer pessoa surfar bem, independente de idade, porte físico, frequência que vai a praia, nível de habilidade, seja qual for o perfil, é possível. Só depende de nós.
Achiles Cerullo